Contexto histórico da pedagogia de projetos

O uso da pedagogia ou trabalhos por meio de projetos é algo bem difundido no sistema educacional de diversos países por causa do movimento Escola Nova, principalmente ocasionada pelos seus precursores Dewey (1859 – 1952) e Kilpatrick (1871 – 1965). No brasil sua utilização fica evidente nas séries iniciais (SANTOS, 2007), protagonizada pelas devidas traduções de Anísio Teixeira das obras de Dewey (1976, 1979). Já na educação básica, sua prática é observada na realização de feiras de ciências, eventos comemorativos, por exemplo, Projeto consciência negra, Projeto Copa do Mundo, Projeto Olimpíadas do Conhecimento, da Matemática, entre outras. Mas, será este o significado de Projeto?

Apesar de uma infinidade de livros e artigos sobre o tema, existem alguns pontos importantes de preocupação, em particular, a distinção conceitual entre o projeto e outros métodos de ensino permanece obscura (KNOLL, 1997). De acordo com autores Almeida (2002); Boutinet (2002) e Knoll (1997), a origem da palavra “projeto” deriva do latim projectus, que significa algo lançado para frente, sentidos que observaremos ser dos séculos XIV e XV. Entretanto, considerando sua conceituação em nossa própria língua, uma compreensão mais atual do sentido da palavra, todos os sinônimos de projeto, tais como desígnio, intenção, finalidade, objetivo, alvo, planejamento e programa correspondem a utilização do termo, ou seja, a ideia de projeto é própria da atividade humana, da sua forma de pensar em algo que deseja tornar real, portanto, o projeto é inseparável do sentido da ação (Almeida, 2002).

Como podemos observar sua acepção em outras culturas como italiano progetto que aproxima do francês projet, porque recobre diferentes significações, principalmente o proposito (intenção), o disegno (esquema), o piano (plano); a única nuance que parece trazer o italiano é a oposição entre o progetto (atividade intelectual de elaboração do projeto) e o progettazione (atividade de realização do projeto). No que concerne ao inglês e ao alemão, ambos opõem, de modo um tanto dualista, o projeto-desígnio ao projeto-programa através, respectivamente, dos termos purpose e project em inglês, e entwurf e projekt em alemão (BOUTINET, 2002). Porém, a novidade do projeto para os gregos e latinos ignoravam em seu vocabulário o que corresponde à acepção moderna do termo, feita de um misto de desígnio e objetivo.

Segundo Knoll (1997) a Pedagogia de Projetos não teve sua origem nas proposições de John Dewey e William Kilpatrick, feitas há mais de 70 anos, nos Estados Unidos. De acordo com ele, historiadores descobriram que a expressão “Projetos” pelo contrário, surgiu do movimento de educação arquitetônica e de engenharia que começou na Itália no final do século XVI. O termo projeto não se impôs apenas em seu sentido preciso da arquitetura, em meados de nosso século, encontramos a utilização da palavra em diversos escritos de grandes pensadores como na célebre frase de Pascal, a respeito de Montaigne, em seus Pensamentos: ““O projeto absurdo que ele tem de se representar”. Também em Bernardin de Saint-Pierre, em Paulo e Virgínia, encontra-se a frase: “Os projetos de prazeres, de repouso, de delícias, de abundância, de glória, não são feitos para o homem frágil, viajante e passageiro”” (BOUTINET, 2002, p. 34).

Para Knoll (1997) o surgimento do termo e suas transformações de significado, compreensão, além da criação de sinônimos na história do ser humano pode ser delineada pelos seguintes períodos de 1590-1765: O início do trabalho de projeto em escolas de arquitetura na Europa, sendo considerado também um dos conceitos chaves para as articulações do pensar do homem desempenhado pelo século das Luzes; 1765-1880: O projeto como método de ensino regular e seu transplante para a América; 1880-1915: Trabalho em projetos de treinamento manual e em escolas públicas gerais; 1915-1965: Redefinição do método do projeto e seu transplante da América de volta para a Europa e 1965 até hoje: Redescobrindo a ideia do projeto e a terceira onda de sua disseminação internacional.

Até o fim do século XIX o método do projeto atraiu diversos adeptos com o passar dos anos, mas despertou pouca atenção para uma pedagogia de ensino, sua acepção evidenciava-se somente para treinamento manual e das artes industriais até que Rufus W. Stimson[1], do Conselho de Educação de Massachusetts, iniciou sua campanha para a popularização do "projeto de casa" na agricultura por volta de 1910. De acordo com Knoll (1997) este foi um dos primeiros planos acadêmicos voltados para o ensino por meio de projeto sem estar totalmente relacionado treinos e produções artísticas, neste caso, o método condizia em primeiro momento a apresentação dos conhecimentos teóricos (sobre vegetais, por exemplo) pelos estudantes, posteriormente deveriam ser aplicados por meio de cultivos, como por exemplo de feijões, ervilhas ou cenouras nas fazendas de seus pais. Em 1914, ele publicou um boletim de 104 páginas descrevendo o método do projeto em casa, isto fez com que o método do projeto de ensino da agricultura estivesse sendo usado em muitos estados dos EUA. Através desses esforços, professores de disciplinas acadêmicas se familiarizaram com a ideia do projeto pela primeira vez.

Com a vulgarização do método de Stimson, de repente o método do projeto foi percebido como o procedimento da educação progressiva. Era altamente considerado como um mecanismo exemplar de realizar as demandas de uma nova psicologia educacional, segundo a qual as crianças não deveriam ser passivamente cheias de conhecimento, mas sim envolvidas em aprendizado aplicado projetado para desenvolver iniciativa, criatividade e julgamento. Esse fato também proporcionou que o método de Projetos “fosse ganhando, aos poucos, novos rumos e mais consistência como ferramenta pedagógica” (OLIVEIRA, 2004, p.117).

Contudo para ser aplicado de forma mais geral, o termo "projeto" necessitou ser redefinido. Uma tarefa que foi assumida, em particular, por William H. Kilpatrick, filósofo da educação e colega Dewey a qual foi orientando na Teachers College of Columbia University, sendo o seu aluno mais brilhante e a qual ficou-lhe grato por tê-lo feito perceber o interesse individual como ponto de partida do mistério educacional e curricular (KILPATRICK, 2006). Mas foi por meio de seu ensaio “The Project Method: The Use of the Purposeful Act in the Educational Process”, no outono de 1918 no Teachers College Record que William Kilpatrick cintilou-se na carreira pública nacional.

Segundo Knoll (1997) Kilpatrick baseou seu conceito de projeto na teoria da experiência de Dewey. Ele acreditava “que toda ideia, valor e instituição social originavam-se a partir de circunstâncias práticas da vida humana” (TEITELBAUM; APPLE, 2001, p.197). Em Experience & Education, publicado originalmente em 1938, Dewey relata questões que envolvem as experiências das pessoas e suas relações com a educação quando estas resolvem problemas práticos em diversas situações sociais. Princípios que norteiam a ideia de sociedade defendida por Dewey alicerçados na colaboração, participação e planejamento conjunto entre pessoas maduras, capazes de refletir acerca de seus projetos de sociedade. Com isto, traçou-se, assim, uma nova teoria da experiência, para definir o papel dos impulsos da ação ou a função dos interesses. Partindo dessas observações e da psicologia do aprendizado de Edward L. Thorndike que Kilpatrick desenvolveu a proposta educacional por meio de projetos.

Para Kilpatrick o que quer que a criança tenha feito, desde que feito "propositalmente", era um projeto. Nenhum aspecto da vida valiosa foi excluído. Definindo projeto como um ato proposital saudável. Por causa dessa centralização no processo de aprendizagem e psicologia da criança Knoll (1997) afirma que Kilpatrick estabeleceu a motivação do estudante como característica crucial do método do projeto, ou seja, o aluno deveria ter interesse naquilo que iria investigar.

Na visão de Kilpatrick, os projetos tinham quatro fases: propósito, planejamento, execução e julgamento. O primeiro – o propósito – em que a intenção é produzir algo externo a partir de alguma ideia ou plano e em que são sugeridos os seguintes passos: perspectivar, planificar, executar e avaliar; o segundo – planejamento – em que se propicia o desfrutar de uma experiência estética, influenciando o desenvolvimento da apreciação, não havendo procedimentos fixados, cabendo ao educador perceber o melhor modo de os acompanhar; o terceiro – execução – em que a intenção é solucionar um problema intelectual; o quarto – julgamento – para aperfeiçoar uma técnica de aprendizagem ou adquirir determinado conhecimento ou capacidade, em que os procedimentos são os mesmos do primeiro (KILPATRICK, 1929).

Estes são geralmente ilustrado através do "projeto tifóide", um empreendimento de renome mundial relatado por Ellsworth Collings, (um estudante de doutorado de Kilpatrick) em 1923. Segundo Knoll (1997) descobriram que dois de seus colegas haviam adoecido com a febre tifóide, eles decidiram explorar como a doença infecciosa foi causada, disseminada e combatida (1923), contudo nada certifica-se que esse método tenha realmente ocorrido.

Porém, o método de projeto foi perspicaz, pois valorizava essencialmente a intenção como um impulso para a construção moral e a educação não dissociada da vida (KILPATRICK, 2006). Macedo (1999) enfatiza que este método era algo além de apenas uma estratégia de trabalho didático, pois consistia em uma teoria de desenvolvimento curricular completa, na medida em que o currículo se constituía em uma série de Projetos.

Por volta de 1920 a concepção de Kilpatrick sobre projetos começou a ser difundida, especialmente em áreas que envolviam atividades de laboratório. No método de Kilpatrick, as crianças deveriam ser livres para decidir o que gostariam de fazer e Dewey acreditava que aluno e professor deveriam trabalhar com um objetivo comum, sendo o professor aquele que orienta, aliada à ideia do “aprender fazendo” e do “aprender a aprender” (DEWEY, 1979), porque aprender passou a ser visto como a atividade de ressignificar experiências. O trabalho de Kilpatrick “se afasta deste pensamento de Dewey, para quem o currículo devia fundamentar-se na experiência da criança, culminando disciplinas organizadas, ou seja, e encontrou resistências, inclusive de Dewey, que observou que “em sua visão os alunos sozinhos eram incapazes de elaborar projetos e atividades que pudessem ajudar os professores a assegurar um processo contínuo de aprendizagem e crescimento.

Para Knoll (1997) a principal objeção de Dewey era a orientação unilateral da criança. Em sua opinião, os alunos, por si sós, não eram capazes de planejar projetos e atividades, isto é, precisavam da orientação de um professor que asseguraria o processo contínuo de aprendizado e crescimento. Para Dewey, o "projeto" não era (como era para Kilpatrick) um "empreendimento da criança", mas sim uma "empresa comum" de professor e alunos. Dewey também criticou a definição de Kilpatrick do projeto como uma atividade "intencional", observando que um propósito genuíno começa com um impulso, mas difere de um impulso original e desejo através de sua transformação em um plano e método de ação. Somente quando o professor convencer os alunos a abandonar o comportamento espontâneo e passar pelo "ato completo de pensar", neste caso, de encontrar uma dificuldade, através da elaboração de um plano e da resolução do problema, poderia expandir sua experiência e ampliar sua educação (KNOLL, 1997). Segundo Dewey, todos os métodos de ensino baseavam-se no pensamento científico e no método da experiência educativa. O método do projeto, no entanto, diferia dos outros procedimentos, exigindo um tipo de resolução de problemas que, como construir um barco ou fazer uma pipa, foi projetado para desafiar e desenvolver as habilidades construtivas dos alunos.

Portanto, as críticas de Dewey e outros educadores tiveram um efeito negativo sobre a popularidade do método do projeto de Kilpatrick, no entanto, a partir de tais ideários articuladores da vida em sociedade com a educação é que se pauta a proposta da Pedagogia de Projetos, sendo uma contraposição ao ensino tradicional, ocasionando uma novo olhar para meios educacionais, estabelecendo-se um novo período para o pensar da escola, compreendidos como Escola Nova e Escola Progressista, de maneira a corresponder aos anseios de uma educação mais democrática.

Apesar das críticas, segundo Knoll (1997) o próprio Kilpatrick se distanciou de sua definição sobre o método, contribuindo para seu declínio nos Estados Unidos, mas, por outro lado, bem-sucedido em diversos países europeus, por meio de adaptações, como na Itália e o método Montessori, Georg Kerschensteiner na Alemanha e o Plano Dalton nos Estados Unidos, como algo inovador, no sentido de promover a democratização do ensino. Oliveira (2004) afirma que “embora com diferentes adaptações o método de Projetos influenciou e tem influenciado ainda hoje, reformas curriculares em muitas localidades” (p.119).

Contudo, nos anos 60 o método de Projetos ressurgi, novamente como uma alternativa ao ensino dito tradicional, passando a ser considerado como um método de ensino e aprendizagem com destaque na prática, interdisciplinaridade e relevância para o âmbito social (KNOLL, 1997). Já nas décadas de 70 e 80 surgi a pedagogia por objetivos, que “buscou finalizar o ato educativo e conferir-lhe a eficácia que aparentemente lhe faltava, propondo critérios precisos de avaliação através dos objetivos fixados e, ao mesmo tempo, dinamizar as motivações dos alunos” (BOUTINET, 2002, p.182). Devida pedagogia no Brasil influenciou inúmeros estudiosos contribuindo para ressignificação da proposta de Dewey e Kilpatrick, ao proporem a adoção do trabalho com projetos na educação. Dentre estes, Almeida e Fonseca Jr (2000), Behens (2000), Fleck (2007), Hernández e Ventura (2000) e Rojo (1997). Para Oliveira (2004), o reaparecimento da pedagogia de Projetos nos dias atuais, “mesmo necessitando de uma reinterpretarão em nosso tempo, parece vocacionada ao enfrentamento de desafios educacionais que dizem sempre respeito ao trabalho em sala de aula” (p.20).

Diante disto, propõem-se nos próximos seções apresentar algumas concepções sobre a pedagogia de projetos, de acordo com os pesquisadores brasileiros, partindo da diversidade que as concepções sobre projetos têm, desde as diferentes áreas do conhecimento até às diferentes maneiras de seu uso na educação, principalmente no campo da Matemática, onde é soberbamente utilizada por meio das metodologias de ensino e aprendizagem da Modelagem Matemática e a Educação Matemática Crítica.

Por fim pode-se observar que progresso por meio de projetos se encontrou-se uma contingencia para testemunhar a capacidade do homem de fazer história e, através dela, o seu profundo desejo de se realizar pretendendo-se criador e transformado da própria realidade material e psíquica pelos métodos educacionais. 

Referências

ALMEIDA, M.E.B. de. Como se trabalha com projetos (Entrevista). Revista TV ESCOLA. Secretaria de Educação a Distância. Brasília: Ministério da Educação, SEED, nº 22, março/abril, 2002.

BEHRENS, M.A. Projetos de Aprendizagem Colaborativa num paradigma emergente. In: MORAN, J.M.; MASETTO, M.T.; BEHRENS, M.A. Novas Tecnologias e Mediação Pedagógica. Campinas, SP: Papirus, 2000. p.67-133.

BOUTINET, J.P. Antropologia do Projeto. Porto Alegre: Artmed, 2002.

DEWEY, J. Democracia e educação. Tradução de Godofredo Rangel e Anísio Teixeira. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1979. 421 p. (Coleção: Atualidades pedagógicas, v. 21).

______. Experiência e educação. 2. ed. São Paulo: Editora Nacional, 1976.

KILPATRICK, W. H. (2006). O Método de Projeto. Viseu: Livraria Pretexto e Edições Pedago.

KILPATRICK, W. H. The Project method: The use the purposeful act in the educative process. New York: Theachers College, Columbia University, 1929.

KNOLL, M. The Project Method: Its Vocational Education Origin and International Development. In: Journal of Industrial Teacher Education. Volume 34, nº 3, 1997. Disponível em: http://scholar.lib.vt.edu/ejournals/JITE/v34n3/Knoll.html#Kilpatrick. Acesso em 15 de setembro de 2006.

MACEDO, E.F. Parâmetros Curriculares Nacionais: a falácia de seus temas transversais. In: MOREIRA, A.F.B. Currículo: políticas e práticas. Campinas, SP: Papirus, 1999.

OLIVEIRA, P.R. Currículos de Matemática: do programa ao projeto. Tese (Doutorado em Educação Matemática). Faculdade de Educação, USP, São Paulo. 2004.

ROJO, Martín Rodríguez. Hacia uma didáctica crítica. Madrid:La Muralla,S.A, 1997.

SANTOS, M. R. A pedagogia de projetos: de sua formulação inicial a sua re-significação na educação infantil atual. 2007. [s.n] Dissertação de Mestrado - Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação nas Ciências, Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. Ijui, Rio Grande do Sul, 2007.

TEITELBAUM, K.; APPLE, M. John Dewey. In: Currículo sem Fronteiras, v.1, nº 2,2001. Disponível em [www.curriculosemfronteiras.org], acesso em 25 de outubro de 2006.


[1] Foi professor de inglês na Faculdade de Agricultura de Connecticut (atual Universidade de Connecticut) de 1897 a 1901. Serviu como Presidente do Colégio de 1901 a 1908. Em 1908, Stimson deixou de ser diretor da Smith's Agricultural School, uma escola secundária em Northhampton, Massachusetts. Em 1911 ele se tornou supervisor estadual de Educação Agrícola para o estado de Massachusetts.

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